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Migalhas: Compensação por serviços ambientais: os avanços da legislação para os grandes centros urbanos

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Em outra oportunidade, refleti no portal Migalhas sobre perspectivas para as políticas de compensação por serviços ambientais nos grandes centros urbanos. Duas leis reforçaram, nos últimos anos, os cenários de utilização desse instrumento ainda pouco explorado em nossa incipiente “economia verde”. Refiro-me ao Plano Diretor da Cidade de São Paulo (lei municipal 16.050/14) e ao Estatuto da Metrópole (lei Federal 13.089/15).

O Plano Diretor consolidou uma estratégia inovadora – ainda que tardia – de compensação por serviços ambientais. Trata-se de uma iniciativa que vinha sendo gestada há muitos anos por persistentes técnicos da Prefeitura de São Paulo – e que, portanto, “sobreviveu” à transição de diversos governos, impondo-se como medida de inequívoca importância.

O artigo 71 da lei municipal prevê a aplicação de dois mecanismos de compensação para as áreas demarcadas como Zona Especial de Preservação Ambiental – ZEPAM: a transferência do potencial construtivo e o pagamento por serviços ambientais (PSA). O primeiro instrumento é bastante conhecido na legislação urbanística. O segundo, no entanto, ainda não contava com previsão legal tão detalhada, em especial naquilo que dispõem os artigos 158 e seguintes da lei municipal.

O programa municipal de PSA beneficia proprietários ou possuidores que mantenham, restabeleçam ou recuperem áreas com ecossistemas provedores de serviços ambientais. Poderão ser alcançados os imóveis urbanos ou rurais, de titularidade pública ou privada. Os critérios de valoração dos serviços – um dos aspectos sensíveis dessa política pública – devem ser definidos por meio de regulamento a ser editado pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente. A mesma Pasta fica incumbida, pela lei, de proceder às chamadas para os interessados em participar do programa, devendo aplicar recursos do Fundo Especial do Meio Ambiente em percentual nunca inferior a 10% dos valores arrecadados no ano anterior pelo mesmo Fundo. Poderão, ainda, ser aplicados recursos de outras fontes (públicas ou privadas), oriundos de cooperações, parcerias, doações etc.

O contrato de PSA ainda deverá ser regulamentado por ato do Poder Executivo. Considerando, no entanto, o emprego de recursos públicos, a regulamentação e a posterior fiscalização desse novo instrumento poderão render algumas controvérsias, notadamente do ponto de vista dos órgãos de controle. É preciso, assim, situar adequadamente o status constitucional dessa política pública, de modo a afastar equiparações descabidas. Analogias com modalidades de contratação tradicionais do direito administrativo podem dificultar a implementação de um programa desse tipo. Portanto, não é demais recordar que o PSA é, precipuamente, uma forma de intervenção do Estado no domínio econômico (arts. 170, VI, e 174, CF), com o propósito de reconhecer esforços de proteção ao meio ambiente. Não estamos a tratar de demandas por obras, serviços e compras da Administração Pública (art. 37, XXI, CF), mas sim dos interesses da coletividade em preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CF).

Ao lado das inovações do Plano Diretor de SP, a compensação por serviços ambientais se apresenta, no recém-sancionado Estatuto da Metrópole, como uma das diretrizes de governança interfederativa das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas (art. 7º, VII) e como instrumento de desenvolvimento urbano integrado (art. 9º, IX). A lei federal não detalha propostas de compensação por serviços ambientais, mas é certo que existem diversas possibilidades para sua aplicação como estratégia de integração urbana sustentável. Vale lembrar, novamente, da experiência do estado de Nova Iorque, que conta com sistema de abastecimento para cidades com população equiparável a das maiores metrópoles brasileiras. Lá foi desenvolvida uma das mais exitosas políticas de pagamento por serviços ambientais do mundo, com foco na provisão de água potável.

Nesse sentido, devemos perguntar: um programa consistente de compensação por serviços ambientais voltado para a região metropolitana de São Paulo pode evitar ou, ao menos, diminuir os efeitos de crises hídricas, que vêm se tornando recorrentes? Não parece simples responder. Mas é sabido que essa proposição já foi combatida, inclusive por juristas reconhecidos – sob o pífio argumento de que a preservação seria uma obrigação legal dos particulares para a qual o Estado não deve concorrer, mas apenas fiscalizar o seu cumprimento.

Publicado originalmente no portal Migalhas, em 9 de fevereiro de 2015

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